sábado, 1 de setembro de 2007

Hábitos, costumes e rituais


Quando eu conheci o Sr. Adail, eu percebi de imediato, olhando pelo lado da música, que êle não dominava bem a técnica do instrumento que tocava, o violão. Porque não tinha muita preocupação com a a afinação, tinha um instrumento em péssimas condições de uso, as cordas eram altas demais, o que dificulta a execução, além disso, a sexta corda do violão não podia ser afinada porque a tarracha usada para esta finalidade estava quebrada, o captador de som estava com defeito, provocando ruídos no amplificador. E tinha algo interessante que acontecia com ele, que qualquer músico, ou qualquer um que goste de tocar não faz: ao terminar a missa ele deixava o violão na igreja e só pegava na semana seguinte, na hora da missa. Vendo isto comecei a incentivá-lo a estudar e tratei de consertar o seu violão, compramos um captador novo pra ele, e passei a dar-lhe algumas dicas para melhorar a sua técnica. Ele passou a ir na minha casa onde ensaiávmos os cantos da semana. Mas ele não continuou com as aulas e logo parou de ir, então eu trazia as músicas da missa pronta com as notas (cifras, quem é músico sabe o que é isso, não vou entrar em detalhes). Ele evoluiu um pouco, mas depois começou a relaxar novamente. E um dia ele me disse: Seu Gilson, se o Senhor achar que eu não estou tocando legal, pode falar que eu páro, mas o que eu gosto mesmo é de ficar aqui no meu cantinho tocando pra Jesus, mesmo baixinho pra não incomodar, quando eu souber direito os cantos eu aumento o som. Imediatamente eu disse pra ele: De maneira nenhuma eu quero que você páre de tocar comigo, nós não estamos aqui pra fazer um show, e sim pra levar a Palavra de Deus e animar através dos nossos dons, se a gente puder melhorar a execução do instrumento, ótimo, a Assembléia vai gostar, mas o mais importante de tudo isso é a nossa vontade de servir, com amor, e cada dia melhorarmos aprendendo um pouco mais. Daí em diante eu passei a não olhar mais o Adail como músico e sim como um homem, simples, humilde, de coração muito bom, tímido, prestativo (estava sempre pronto para ajudar nos serviços da igreja, quando lhe pediam, dificilmente dizia não, aliás, eu nunca vi ou ouvi ele negar). Pouco falava da sua vida particular, das suas dificuldades, seu semblante era sempre o mesmo, eu, pelo menos, não sabia se ele estava triste, alegre ou com alguma necessidade. Ele não passava isso, pelo menos pra mim. Eu também não estou aqui pra falar das outras pessoas e sim da amizade que nasceu entre mim e ele. Ele se comportava, na minha visão, como uma pessoa presente, quase imperceptível, que não fazia questão nenhuma de aparecer e que gostava de estar aqui, dedilhando o seu instrumento, praticando a sua devoção e fé, da maneira que ele entendia. Eu passei a respeitar isso dele e olhar com mais amor para este meu irmão e aprender com ele valores em vida, que costumamos só enxergar na morte. Acho que poderia fazer muito mais por Ele, me sinto culpado por não ter entrado mais na sua vida, pelas vezes que intimamente reclamava dele como músico, quando poderia vê-lo de um jeito mais amigo, de até brigar com ele para ele se abrir. E nesse ponto é que acho que eu me acomodei porque passei a aceitá-lo, entre aspas, deixá-lo na sua vidinha simples, rotineira, de uma pessoa que estaria comigo na missa tocando. Passei a criar esse hábito, e por isso eu gostaria de fazer um alerta, começando por mim, não vamos mais deixar que hábitos, costumes e rituais sejam uma coisa estática, que se repete todo dia, toda semana, vamos tentar ver, sentir e perceber o que está por trás, ou na vida de um irmão, que está sempre do nosso lado, a gente pode se surpreender. Nem sempre atrás de um sorriso ou de uma aparente tranquidade está uma pessoa feliz, atrás de rosto sério, sisudo, uma pessoa má, atrás de um explosão de raiva, uma pessoa estúpida, ignorante, insensível . Somos uma grande família, e em família, brigamos, choramos, rimos, ensinamos, aprendemos, nos reconciliamos, partilhamos, principalmente amamos. O Sr. Adail, pra mim não foi em vão, ele me ensinou muito, e vai estar pra sempre presente até o fim da minha vida.